Há exatos 93 anos, em 24 de fevereiro de 1932 foi criado o primeiro Código Eleitoral brasileiro com o Decreto nº 21.076/1932 que estabeleceu as bases para o pleno exercício dos direitos políticos no Brasil. As propostas visionárias instituídas pelo Código, incluindo a criação da Justiça Eleitoral e o sufrágio feminino no país, deram origem a um sistema eleitoral que, ao longo dos anos, evoluiu para um modelo moderno, eficiente e seguro.
Desde então, por meio do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dos tribunais regionais eleitorais (TREs) e dos juízes e juízas eleitorais, a JE passou a organizar as eleições e a julgar questões relativas à matéria eleitoral. Nesse processo, essa Justiça Especializada consolidou-se como um pilar essencial da democracia. Assim como em todo o país, o Código Eleitoral também assegurou, em Santa Catarina, a liberdade do povo na escolha de seus representantes, incluindo a eleição de mulheres.
Em 1933, com a primeira eleição após a criação do Código Eleitoral, Carlota Pereira de Queiroz, educadora e diplomada em medicina, foi a primeira mulher a conquistar uma vaga no Congresso brasileiro e Bertha Lutz conquistou a suplência (Distrito Federal). Com essa revolução no eleitorado, o Brasil elegeu deputadas estaduais em Alagoas, Amazonas, Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Sergipe.
Já em Santa Catarina, a primeira mulher eleita foi Antonieta de Barros, que também foi a primeira deputada negra no país. Professora, jornalista e escritora, Antonieta de Barros foi suplente do Partido Liberal Catarinense (PLC) e assumiu o mandato de 1935-1937, após Leônidas Coelho de Souza não ter tomado posse. A deputada esteve envolvida em pontos da Educação, Cultura e Funcionalismo. Inclusive, a lei que instituiu o dia 15 de outubro como dia do professor e feriado nacional é de autoria de Antonieta de Barros.
Os dados do último levantamento sobre o eleitorado, de 2024, aponta que em Santa Catarina há 2.926.691 mulheres aptas para votar, o que corresponde a 52% no estado. Essa porcentagem, inclusive, é a mesma de mulheres votantes no Brasil, em um universo de 155.912.680 eleitores.
Contudo, para chegar nesse patamar, a democracia brasileira passou por diversos avanços. E o contexto que culminou na criação do Código Eleitoral — que instituiu o voto feminino (art. 2), a criação da Justiça Eleitoral (art. 5º), o estabelecimento do voto secreto (art. 58) e o voto obrigatório (art. 121) — foi marcado por muitas transformações. O país passava por crises internas e a classe política recebia a pressão de movimentos sociais, como a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF).
Cenário político da época
O Brasil vivia uma fase de transição, que, apesar das crises internas, estabelecia marcos importantes para o processo democrático. Os sistemas eleitorais existiam em diversos países em 1932, mas variavam muito em termos de participação popular, regras e transparência. A maioria das democracias ocidentais realizava eleições periódicas. Contudo, muitas nações ainda viviam sob regimes autoritários, em que o voto era restrito ou inexistente.
Havia eleições livres, até certo ponto, nos Estados Unidos, no Reino Unido, na França e na Alemanha, onde começou a ascensão do nazismo. Os regimes autoritários vigoravam em países como Itália, União Soviética, Portugal e Japão, com eleições limitadas ou manipuladas (controladas).
No Brasil, a Revolução Constitucionalista de 1932 – movimento que combatia o autoritarismo do governo provisório de Getúlio Vargas – culminou na convocação das eleições para a Assembleia Constituinte de 1933. No ano seguinte, os deputados promulgaram a Carta Magna de 1934, abrindo caminho para eleições mais democráticas.
O voto feminino
O sufrágio feminino no Brasil foi uma grande conquista trazida pelo Código Eleitoral, consolidando o país como o quarto do ocidente a garantir o voto de mulheres, atrás de Canadá, Estados Unidos e Equador. Apesar das restrições para algumas mulheres brasileiras, a medida representou importante avanço na inclusão delas no sistema político brasileiro, permitindo que pudessem votar e ser votadas.
Embora o anteprojeto do Código Eleitoral tivesse incluído a exigência de autorização do marido para que uma mulher casada pudesse votar, essa cláusula foi removida no texto final aprovado. O Plenário do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, na época conhecido como TSJE, manifestou-se sobre o tema, afirmando que “as disposições acerca da incapacidade relativa da mulher não tinham efeitos sobre os direitos eleitorais”.
Inicialmente, o voto era facultativo para aquelas que não exerciam funções remuneradas, mas, na Constituição de 1946, quando o alistamento feminino se tornou obrigatório, as mulheres conquistaram a igualdade com os homens.
O processo eleitoral brasileiro firmou-se como um dos mais modernos do mundo. É também um dos mais amplos, pois garante a todo o eleitorado a partir dos 16 anos, independentemente de cor, orientação sexual, grau de instrução ou classe social, o direito constitucional de exercer sua cidadania por meio do voto.
Segurança democrática
A ideia de criar um ramo independente dentro do Poder Judiciário para cuidar exclusivamente das eleições surgiu da demanda social por processos mais limpos e confiáveis sem a ingerência dos Poderes Executivo e Legislativo.
O processo eleitoral exigia uma Justiça Especializada para implantar as inovações trazidas pelo Código, como o voto feminino, o voto secreto, o uso de máquinas de votar, a instituição do sistema representativo proporcional e a regulação, em todo o país, das eleições federais, estaduais e municipais.
Pela primeira vez, os partidos políticos foram mencionados em legislação eleitoral, que previu a obrigatoriedade do registro prévio de todas as candidaturas. Contudo, o Código recebeu muitas críticas pelas restrições impostas ao exercício do voto a uma parcela da sociedade: os analfabetos, os mendigos e os soldados de categoria inferior na hierarquia militar (praças de pré).
Cinco anos após sua criação, a JE foi extinta pela ditadura do Estado Novo de Vargas, em 1937. Só foi recriada com a redemocratização do país, em 1945. Essa retomada é a constatação do quanto a JE foi – e ainda é – imprescindível para assegurar a passagem para a democracia, mesmo em períodos turbulentos da história.
Com o restabelecimento das suas atividades, a Justiça Eleitoral seguiu avançando ao longo dos anos na profissionalização do serviço eleitoral. Vieram a padronização das cédulas, o fim do alistamento ex officio e a criação da folha individual de votação. No entanto, com a instauração do regime militar a partir do golpe de 1964, o processo foi lento. Apesar disso, naquele período, foi aprovada a primeira Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei nº 4.740/1965), regulamentando o funcionamento das agremiações.
A abertura política iniciada em 1982 e o esgotamento do regime militar culminaram na eleição indireta de 1985, que elegeu o primeiro presidente civil do país desde 1964. Já em 1987, com a reunião da Assembleia Nacional Constituinte, começaram a ser esboçadas as novas páginas para a construção de um novo Estado Democrático, que foram consolidadas com a promulgação da Constituição de 1988, a Constituição Cidadã, ampliando o rol de direitos sociais e políticos.