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domingo, 2 de novembro de 2025

Entre lápides e memórias: identidade polonesa ganha nova luz em Indaial

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Há memórias que não se apagam — não porque estejam eternizadas em pedra, mas porque continuam pulsando nas mãos e no olhar de quem decide lembrá-las. É dessa forma que nasce o projeto “Arte Tumular do Cemitério Santo Estanislau”, idealizado pelo grupo folclórico Chłopi – Polski Zespół Folklorystyczny de Indaial, por meio de seus integrantes Jailsson Fabijaki, Eduardo Götzinger, Vanessa Lischeski e Matheus Vahldick Cunha. Mais do que um estudo histórico, é um ato de cuidado. Uma delicada restituição da presença polonesa na formação do Vale do Itajaí — especialmente em Indaial — para que suas raízes não se percam entre musgos, saudade e esquecimento.

O projeto dedica-se a registrar artisticamente as lápides do Cemitério da Igreja Santo Estanislau Kostka, um lugar onde o tempo respira devagar. Ali, entre o som das árvores e o perfume da terra antiga, repousa uma história tecida por famílias que cruzaram oceanos para encontrar, neste vale de rios largos, um lugar possível de fé, trabalho e pertencimento.

Utilizando técnicas como frotagem (a impressão manual das inscrições em papel) e fotografia, os pesquisadores se voltam aos símbolos, inscrições e palavras escritas em polonês — sinais silenciosos de uma identidade que resiste. Cada túmulo registrado torna-se um fragmento preservado da memória cultural, religiosa e linguística desses imigrantes.

O material recolhido será digitalizado e disponibilizado para instituições locais, como o Arquivo Histórico Municipal, fortalecendo o acesso à pesquisa e a continuidade do conhecimento. A proposta culmina em uma exposição aberta à comunidade, transformando o cemitério — espaço de reverência — em um lugar vivo de educação e reflexão.

O projeto é patrocinado pela Fundação Municipal de Cultura de Indaial, por meio do Fundo Municipal de Incentivo à Cultura (FMIC).

Entre vales e fé: o nascimento de uma comunidade

A imigração polonesa em Indaial não aconteceu como um grande fluxo único, mas como pequenas constelações de famílias que, desde a década de 1870, se estabeleceram nos vales entre Sandweg, Warnów e Ribeirão das Pedras. Vieram da Silésia, Pomerânia, Kujawy, Płock, Sieradz e Łęczyca, guiados pela esperança de cultivar terra livre — e de professar sua fé longe das perseguições políticas e religiosas do Kulturkampf prussiano.

A história da comunidade ganha nome e rosto quando, em 1874, chegam Ludwig Koprowski e Anna Tarnowska, seguidos de tantas outras famílias que dariam forma a uma vida coletiva marcada pelo trabalho árduo, pela música, pela religião e pela língua preservada no coração e no lar.

Em 1878, a primeira capela foi abençoada no alto das colinas, e com ela veio o sino que chamava ao encontro e à partilha. Ali também surgiu o cemitério, inaugurado no mesmo período — um espaço sagrado que, desde o início, acolheu a memória dos pioneiros. É entre essas lápides que o projeto volta seu olhar.

As lápides que falam

Muitos túmulos revelam inscrições como:

“Tu spoczywa w Bogu” — Aqui descansa em Deus.
“Spoczywaj w Pokoju” — Descanse em Paz.
“Niech spoczywa w pokoju” — Que descanse em paz.

São palavras que não apenas identificam quem partiu, mas revelam um mundo de origem: um idioma que foi guardado com zelo, como se cada sílaba fosse um fio que os mantinha ligados à terra natal.

Nomes, datas, símbolos, brasões, cruzes esculpidas ou forjadas — tudo é história que respira.

Preservar para continuar pertencendo

Ao registrar, interpretar e tornar acessível esse patrimônio, o projeto não apenas devolve ao presente a memória polonesa de Indaial — ele fortalece a identidade cultural da comunidade, lembrando que cidades não nascem de mapas, mas de famílias, crenças, dores, viagens e esperanças.

Preservar essa memória é garantir que as futuras gerações saibam que, antes delas, existiram mãos que abriram trilhas, ergueram casas, fundaram capelas, educaram filhos e construíram a vida coletiva que hoje se reconhece como cidade.

É um ato de reconhecimento.
De gratidão.
De pertencimento.

Porque há histórias que não devem — e não vão — se perder.

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