Apego no acolhimento familiar
Psicóloga fala sobre o medo das famílias em fazer parte do Serviço Família Acolhedora …
Clarice Graupe Daronco / JMV

RODEIO – “Muito se fala sobre o apego que ocorre entre a criança/adolescente com a família que o acolhe. Sem dúvida, esse é um dos pontos mais questionados e temidos do acolhimento. Temido porque muitas famílias deixam de procurar o Serviço de Família Acolhedora ou fazer parte dele pelo medo do apego e desapego, devido o acolhimento ser temporário. Precisamos falar mais sobre isso e entender mais sobre o apego e suas consequências”. Com essas colocações a coordenadora do Serviço Família Acolhedora dos municípios de Apiúna, Ascurra e Rodeio, psicóloga Aline Schultz, fala à redação do JMV sobre o apego das famílias que escolhem acolher crianças ou adolescentes que aguardam para ser adotadas ou retornar para a casa de familiares.
De acordo com a psicóloga, a família acolhedora acolhe uma criança ou adolescente para oferecer cuidados básicos, proteção e afeto no momento em que esta criança ou adolescente está muito fragilizado devido à ruptura temporária, ou não, com sua família de origem e, ainda, vivenciado momentos de violência ou negligência que justificaram a suspensão da guarda dos responsáveis. “Dentro desse contexto, a família acolhedora precisará construir um vínculo, um elo de confiança para que este acolhido se sinta realmente seguro e se desenvolva plenamente, superando aos poucos suas experiências traumáticas e aprendendo a formar vínculos de confiança e laços seguros para seu hoje e seu amanhã. É uma construção diária que exige disposição afetiva da família acolhedora, por isso não é possível ser família acolhedora sem pensar em apego. Ele é fundamental para que essa relação seja afetuosa, seja proveitosa para ambos, e por que não dizer, uma relação de cura e superação. A criança/adolescente, por sua vez, necessita, neste momento da vida, tanto para sua sobrevivência emocional quanto física, desse apego”.
Segundo a profissional, estudos apontam o quanto a ausência desses cuidados provocam danos emocionais permanentes, como psicopatias, depressão, além de problemas cognitivos e de relacionamento. “Principalmente as crianças são prejudicadas se seus cuidados se limitarem às rotinas de abrigos e instituições, onde não há um cuidado individualizado e uma referência de vínculo seguro. Já adolescentes que vivem em abrigos, podem ter potencialmente mais problemas de socialização, depressão, baixa autoestima e pouca capacidade de autonomia, já que é na convivência familiar e comunitária que aprendemos a caminhar para a vida adulta com valores, experiências e rotinas que nos ensinam a enfrentar as etapas da nossa vida”.
Com tudo isso, observa a psicóloga, pode-se compreender que o apego é combustível essencial ao acolhimento familiar. “Tanto para a família desempenhar seu papel de proteção quanto para o acolhido ser cuidado como precisa”.
E o desapego?
A profissional observa que não há desapego no processo de acolhimento, falamos em construir laços e não nó! “Por que ninguém afirma que a família não poderá manter seu afeto e seu vínculo quando a criança retornar à sua família de origem (se assim for possível) ou se for para adoção. O que sabemos com certeza é que a criança ou adolescente sairá do acolhimento fortalecido com amor, diálogo e experiências positivas. Vivências enriquecedoras que o tornarão mais forte e encorajado para formar outros vínculos seguros e de afeto, novos laços e reproduzindo o amor que teve quando mais precisou de carinho e atenção. Por isso falamos em laços e não nó, pois não há vínculo de posse no acolhimento familiar”.
Para Aline, o desapego não é um processo de ruptura, é um processo de adaptação feito com cuidado e sensibilidade, onde a criança ou adolescente irá se adaptar e formar novos e mais fortes vínculos, e não perder. “Seu contato e afeto poderá ser permanente com a família acolhedora, mesmo após o desacolhimento, temos experiências lindíssimas neste processo”.
A profissional faz a seguinte comparação: “Vamos imaginar as professoras, babás e tias de creche que no seu dia a dia cuidam integralmente de crianças em idade ainda tão dependentes de cuidado e carinho. Não é difícil imaginar o apego que essas crianças desenvolvem com seus cuidadores diários, fazendo com que gostem de ir para escolinhas e fiquem sem a figura materna ou paterna durante o dia todo. Aos pais, vale pensar que quanto mais amáveis, carinhosas e protetivas essas professoras e cuidadoras forem com seus filhos, mais tranquilos ficarão de que eles estarão recebendo tudo que precisam. Aos pais passa na cabeça a pergunta sobre o desapego nessa hora? Será que quando mudar de professora ou quando vierem as férias meu filho vai sofrer muito? Será que é bom para ele que seja tão apegado à professora? A resposta é clara, todos os pais querem que seus filhos sejam amados e cuidados pelos seus professores e babás ou quem exerça essa função diária. Querem que aprendam a amar, a serem sensíveis às necessidades deles por motivos óbvios!”.
Então, ressalta a psicóloga, se chegar o dia de mudar de cuidador, vai ser com dialogo, com adaptação, com confiança que a criança ou adolescente vai aprender a lidar com isso. “O tempo de cuidado e amor dedicado vai ser sempre lembrado, além de ter produzido conexões cerebrais capazes de potencializar seu desenvolvimento. Por que quando pensamos em acolhimento ainda resistimos à ideia de proporcionar às crianças e adolescentes esse mesmo afeto e convívio, deixando de proporcionar tantas novas possibilidades a essas vidas por medo de algo que é intrínseco do ser humano e fundamental: o apego! Fica esta reflexão para todos nós, como o apego já transformou nossas vidas? As pessoas mais importantes da nossa vida, só o são definitivamente, porque nos apegamos e através disso, aprendemos, evoluímos e amamos uns aos outros”.