As comemorações do sesquicentenário da grande imigração italiana em Santa Catarina têm mobilizado corações, histórias e lembranças em várias cidades do Estado. Em entrevista à redação do Jornal do Médio Vale (JMV), o historiador Norberto Dallabrida recorda que o centenário, celebrado em 1975, teve como palco principal os municípios de Nova Trento, Rodeio e Rio dos Cedros. Agora, meio século depois, a celebração amplia o olhar para o que ele chama de “a grande imigração italiana”, reconhecendo a experiência pioneira da Colônia Nova Itália e incluindo também Timbó, com o seu histórico Caminho dos Tiroleses, entre os territórios que guardam a herança dos primeiros imigrantes.
Para Dallabrida, compreender a imigração italiana é compreender a ousadia de quem deixou tudo para trás em busca do novo. “Eles desbravaram florestas e enfrentaram uma realidade muito diferente daquela vendida nas propagandas da época”, relembra. Em meio às incertezas, encontraram na fé um alicerce, erguendo capelas que se tornaram o coração das comunidades e das chamadas “sociedades de capela”, onde a vida social, religiosa e cultural se entrelaçava.
Foi desse modo que se formou o que o historiador descreve como “um outro Brasil”: um território moldado pela pequena propriedade familiar, pelo trabalho coletivo e pela solidariedade, em contraste com o modelo dos grandes latifúndios que dominavam o país até o século XIX.
Mulheres que sustentaram a fé e a educação
Entre tantas histórias, Dallabrida faz questão de destacar o papel das mulheres na construção dessa nova realidade. Ele cita pesquisas reunidas no dossiê “150 anos da imigração italiana”, publicado na revista Blumenau em Cadernos, ressaltando figuras como Amabile Visentainer (Santa Paulina) e as Irmãs Catequistas, que surgiram em Rodeio em 1915 e tiveram papel essencial na educação e na vida comunitária.
“Apesar de viverem sob uma estrutura patriarcal, foram elas que sustentaram a fé, ensinaram as crianças e mantiveram vivas as tradições”, afirma o historiador, lembrando que grande parte dessa história feminina ainda permanece anônima e merece ser redescoberta.
Silêncio imposto pela nacionalização
O historiador também revisita um dos períodos mais dolorosos dessa trajetória: a nacionalização compulsória imposta pelo Estado Novo, entre 1937 e 1945. Durante a ditadura de Getúlio Vargas, manifestações culturais e linguísticas dos descendentes de italianos foram proibidas. “Livros e revistas foram escondidos ou enterrados. Até o som das canções italianas foi silenciado”, recorda.
Nas memórias populares, esse período ficou conhecido entre os descendentes como “la epoca de la perseguison”.
Dallabrida menciona relatos familiares marcados pela vigilância constante e pelo medo. “Houve luto. Imagine uma comunidade impedida de cantar na sua própria língua”, relata com emoção.
Reinvenção da italianidade
Quando questionado sobre as festas do centenário de 1975, Dallabrida explica que, embora tenham ocorrido durante a ditadura militar, foram um passo importante na reconstrução da italianidade. “Em meio ao discurso do ‘ame-o ou deixe-o’, aquelas celebrações foram um ensaio para a retomada da diversidade cultural, que ganharia força com as festas étnicas da abertura política dos anos 1980”, analisa.
Hoje, as comemorações do sesquicentenário seguem esse mesmo espírito: o de resgatar o passado sem perder o olhar para o futuro, unindo história, cultura e turismo em torno de um patrimônio que pertence a todos os catarinenses.
Da memória ao símbolo
Em seu livro “O mestre-escola: retalhos da vida de Giovanni Trentini”, Dallabrida narra a vida de um dos muitos imigrantes que moldaram o Médio Vale do Itajaí. Por meio da trajetória de Giovanni Trentini, capelão leigo e professor paroquial, ele reconstrói a essência da imigração: fé, trabalho, comunidade e resistência.
O historiador encerra lembrando que Giovanni, que viveu o cotidiano da colonização, “saiu do esquecimento e virou memória” ao se tornar patrono da principal escola de Rio dos Cedros em 1975. “É uma história que se repete hoje, a de transformar lembrança em pertencimento, e o passado em ponte para o futuro”.





