Decisão global da big tech provoca forte reação no Brasil, com críticas do governo e alertas de especialistas sobre os riscos à informação
A recente decisão anunciada por Mark Zuckerberg, CEO da big tech Meta, de encerrar o programa de checagem de fatos da empresa nas plataformas Facebook, Instagram e Threads tem provocado intensas reações em todo o mundo, especialmente no Brasil. Anunciada no dia 7 de janeiro de 2025, a medida substitui o sistema de verificação por um novo modelo chamado “Community Notes”, que permite aos usuários adicionar contexto às publicações. O objetivo, segundo Zuckerberg, é restaurar a liberdade de expressão, mas a mudança gerou um debate acirrado sobre desinformação e responsabilidade social.
No Brasil, a notícia foi recebida com forte oposição do governo federal. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva considerou a decisão “extremamente grave” e convocou uma reunião emergencial com ministros e a Advocacia Geral da União (AGU) para discutir possíveis ações legais contra a Meta. Em resposta, a AGU notificou a empresa, exigindo explicações sobre como o novo sistema será aplicado no país e que medidas serão adotadas para combater a disseminação de fake news.
Além disso, o Ministério Público Federal (MPF) entrou na cena, pedindo esclarecimentos formais à empresa. A preocupação é evidente: o Brasil, com sua vasta rede de usuários e um histórico de desinformação, incluindo crises sanitárias e eleitorais, pode enfrentar novos desafios com o fim da checagem até então disponível.
De acordo com veículos como O Globo e UOL, o governo brasileiro vê a medida como um retrocesso no combate à desinformação, especialmente em um momento em que o país ainda lida com os efeitos de campanhas de fake news que marcaram crises recentes, como eleições e a pandemia. Por outro lado, especialistas ouvidos pela imprensa reconhecem a necessidade de equilibrar a liberdade de expressão e a responsabilidade digital, apontando que o Brasil será um termômetro crucial para o sucesso do “Community Notes” na prática.
A inspiração da rede X e o “Community Notes”
A adoção do “Community Notes” pela Meta lembra a iniciativa da rede X (antigo Twitter), que, depois de comprada por Elon Musk, implementou um sistema colaborativo de verificação bastante semelhante. Nessa plataforma, usuários selecionados podem acrescentar informações adicionais a tuítes, dando contexto e, em muitos casos, corrigindo eventuais equívocos ou conteúdo enganoso. Diversas análises apontam que a experiência da rede X serviu de inspiração para a Meta ao decidir abandonar a checagem de fatos feita por profissionais e adotar uma solução baseada em colaboração comunitária.
Em 14 de abril de 2024, publiquei um artigo no portal Acontecendo Aqui analisando exatamente essa tensão entre liberdade de expressão e credibilidade na rede X. À época, abordei como as acusações de Elon Musk sobre suposta tentativa de censura estatal no Brasil e o embate com o ministro Alexandre de Moraes evidenciavam um cenário de disputas políticas e judiciais acerca do controle do conteúdo online. Embora as plataformas sejam distintas, tanto a decisão da Meta quanto as polêmicas em torno da rede X ilustram como o país se tornou um terreno fértil para testar os limites entre liberdade de expressão e regulação por parte do Estado.
Liberdade, responsabilidade e possíveis controles
Especialistas alertam que o sistema de “notas da comunidade” pode ser vulnerável a manipulações de grupos organizados, comprometendo a qualidade das informações disponíveis nas plataformas. Enquanto isso, defensores da liberdade de expressão enxergam o “Community Notes” como um avanço, argumentando que o programa de checagem anterior da Meta muitas vezes foi acusado de censurar opiniões legítimas. Sob essa perspectiva, descentralizar o processo de análise e permitir que os próprios usuários participem da contextualização das informações seria uma forma de democratizar o debate.
Entretanto, é preciso pontuar que a liberdade de expressão não está isenta de limites. No Brasil, como determina a Constituição Federal, “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Esse princípio implica que as pessoas devem ser responsáveis pelo conteúdo que publicam, pois sua identificação garante, em tese, um mecanismo de responsabilização jurídica e moral. Contudo, a preocupação sobre eventuais controles excessivos à fala online permanece. Se, por um lado, existe um clamor por mecanismos de moderação que reduzam a desinformação, por outro, há receio de que grandes empresas de tecnologia, ou mesmo governos, usem essas ferramentas para cercear vozes discordantes.
Nesse sentido, a decisão da Meta coloca em primeiro plano a questão do equilíbrio entre liberdade de expressão e responsabilidade no combate à desinformação. No atual cenário brasileiro, marcado pela polarização política e pela circulação de notícias falsas, muitos temem que a remoção da checagem profissional possa intensificar ainda mais as campanhas de desinformação. Outros veem na abertura do “Community Notes” um caminho para que as pessoas sejam livres para publicar, desde que identificadas, assumindo plenamente as consequências de suas manifestações.
O resultado prático da adoção do “Community Notes” será acompanhado (com certeza!) de perto por governos, especialistas e a sociedade civil. Resta saber se a nova estratégia da Meta será capaz de sustentar a promessa de mais liberdade de expressão sem comprometer a confiança na informação — em um contexto em que o Brasil, pela sua escala e complexidade, pode ser o palco mais desafiador para testar esse modelo.
Entretanto, é preciso pontuar que a liberdade de expressão não está isenta de limites. No Brasil, como determina a Constituição Federal, “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Esse princípio implica que as pessoas devem ser responsáveis pelo conteúdo que publicam, pois sua identificação garante, em tese, um mecanismo de responsabilização jurídica e moral.
Carlos Rocha dos Santos é Jornalista, Publicitário, Comunicador, Midiólogo, Professor e Gestor de Imagens.
Referências:
Vídeo no perfil oficial de Mark Zuckerberg – https://www.instagram.com/p/DEhf2uTJUs0/
UOL Tilt – Meta substitui checagem de fatos por notas da comunidade
Agência Lupa – Meta encerra programa de checagem de fatos nos EUA e silencia sobre Brasil
O Globo – Meta anuncia que encerrará seu programa de ‘fact checking’ nos EUA, em aceno a Trump
Folha de S.Paulo – Meta encerra checagem: Imprensa mundial repercute anúncio
UOL Notícias – Meta encerra abruptamente seu programa de ‘fact-checking’ nos EUA
TV Cultura – Meta anuncia fim da checagem de fatos nos Estados Unidos
Acontecendo Aqui – Carlos Rocha dos Santos (2024). “Liberdade de expressão vs. credibilidade da rede X: o que pode estar por trás das acusações de Elon Musk”